8 de fevereiro de 2013

António Soares traz à pintura portuguesa uma expressão nova de beleza

por Artur Portela

Valeu a pena este silêncio de catorze anos! Dir-se-ia que o talento de António Soares no isolamento, na ascese e até mesmo na contradição, atingiu a plenitude criadora. Durante esse tempo, o artista como que requintou a sua maneira, descobrindo novas refulgências de beleza, novos acordes de tonalidades, novas expressões de beleza. Esta sua exposição (9ª exposição individual), seja qual fôr o prisma crítico, é um notável acontecimento artístico.

António Soares como que criou o seu mundo, numa síntese admirável de formas e de côres. Através da sua sensibilidade, tão finamente espiritual, que sabe converter a realidade em sonho, António Soares alarga, de certa maneira, as fronteiras da escola estética em que nasceu, para lhe dar uma realidade eloquente. Por outras palavras mais simples: todas as experiências, aquisições, e "recherches" do modernismo, decantados pela sua maneira, traduzem-se em extraordinários conceitos plásticos, de serenidade ideal, que acusam ou vibram, com o toque maravilhoso da obra prima. Evidentemente que nem todos os seus quadros apresentados são dum significado igual. Mas a maior parte, a grande parte, devemo-la considerar indiscutível.

António Soares é um complexo bizarro e rico de valores. A sua pintura, tão aliciante, tanto nos evoca a graciosidade "mievre" dos grandes artistas do século XVIII - e, nomeadamente, dum Watteau estilizado, como as extraordinárias sugestões de côr, dos cenários dos bailarinos russos, quando Nijinsky dançava pelo mundo. Esta galeria é, sobretudo, uma alta manifestação de pura espiritualidade. Um grande músico pintaria como Soares, convertendo as notas em magias cromáticas. As suas mulheres têm a aristocracia, a raça, a elegância, a finura e a distinção dos tipos excelsos que abrem novos paradigmas à beleza. Dentro daquela maneira que revela uma personalidade, é impossível fazer-se melhor. António Soares como que se resgata da sua misantropia, obtendo uma vitória clamorosa e definitiva. Supomos que o artista não pinta sobre tela, mas num pano especial, ligeiramente, tinto, cuja superfície suave, macia, dá mais fluidez aos pincéis e funde melhor os valores da paleta. Havia que elogiar muito, quasi tudo, desde a "Natacha", que define um singular tipo de mulher de olhos errantes e nostálgicos, até as suas naturezas mortas, tocadas com subtil preciosidade. O "Camarim" é uma autêntica maravilha, ante a qual os olhos ficam tontos de assombro, de emoção. É, simplesmente, lindo, aquele "boudoir" em que a figura tem alguma coisa de floral. "Bailado Romântico" é duma extraordinária, duma enfeitiçada magia de tinta. As duas figuras, entre rompimentos de luz sobria e surda, traçam uma admirável parábola. "Composição" é outra obra a destacar. António Soares transpôs, se não renovou, a técnica dos Gobelins, mas pintor sempre, deu-lhe uma expressão de suprema elegância decorativa. "Vindimadora", "Alto Longo", "Entre Bastidores", "Atrás do Rompimento" são, entre outros, obras que fixam a perfeição que António Soares atingiu.

Um grande pintor e uma grande obra. Estamos certos de que, no salão da Rua Ivens, Lisboa teve, ocasionalmente, uma verdadeira sala de museu.

in DIÁRIO DE LISBOA, 1944








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